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Rascunho de um desabafo

Essa questão bate à minha porta de tempos em tempos, mas eu sempre a negligenciei.

“Em quê você é bom? O quê você gosta de fazer, e faz bem?” – Essa sempre foi e continua sendo a pergunta que me atormenta, que me corrói por dentro. Tudo porque eu não tenho a resposta para essa pergunta. A minha realidade é o inverso disso: eu sei em quê eu não sou boa. É incisivo, não preciso provar para ninguém, pois a lista seria muito longa e maçante. Sou uma pessoa sem habilidades, talentos ou aptidões (chame do que quiser) aparentes.

E por que isso me incomoda tanto? Porque, neste nosso mundo contemporâneo, não importa se você é uma pessoa boa ou não, o que importa é se você tem habilidades. O mundo não vai se importar se você é um bom filho, um bom marido, um bom amigo, o único interesse dele é no que você pode contribuir para mantê-lo funcionando. E se você não tem essas habilidades, o que será de você no mundo? Simplesmente um excluído, vivendo, ou melhor, sobrevivendo, em subempregos os quais você não gosta, o que prejudica toda a cadeia de qualidade de vida de um ser humano. O trabalho é, infelizmente, um mal necessário, e, por isso mesmo, é preciso que trabalhemos naquilo que alimente não só o nosso corpo, mas também a nossa alma. É trabalhar naquilo que se gosta, e nisso eu subentendo que a pessoa que faz o que gosta vai fazê-la bem, exatamente porque gosta do que faz. Resumindo: para “viver” neste mundo, é preciso ter habilidades; caso você não as tenha, ou, ainda, não as tenha descoberto, viverá uma vida medíocre, à margem de uma vida com qualidade.

Desculpem-me se pareço pensar demais em dinheiro, se pareço ser uma capitalista voraz ao resumir a vida em trabalho, e em seu consequente resultado financeiro, mas essa é a cruel realidade da vida. Há pessoas que não se casam, que não têm filhos, que não tem animais de estimação. Isso são escolhas. Porém, não há uma única pessoa que possa escolher morrer sem trabalhar (a menos que você arranje um partido rico, logo ao sair do ensino médio ou, ainda, que tenha nascido em berço de ouro, hipóteses que eu estou desconsiderando). Trabalhar ou não, não é uma escolha, é algo obrigatório com o qual você irá se deparar, e o melhor é enfrentar isso da melhor maneira possível, já que estamos todos destinados a esse beco sem saída.

Hoje eu li um texto que afirma piamente de que todos nós possuímos talentos, ou seja, algo que, além de fazemos bem, gostamos. Pois bem, acho isso totalmente romântico e utópico. Se existem pessoas com múltiplos talentos, por que não haveria pessoas com nenhum deles? Assim como não há como comprovar a existência de Deus, não há comprovação efetiva da existência de uma pessoa sem talento algum, mas é uma possibilidade que não pode ser excluída. Se tratam esse fato de maneira tão categórica, algo de errado ou que precisa ser escondido há.

E o que as pessoas têm medo de descobrir é que elas não são especiais, que aquilo de “uma coisa que só eu posso fazer” é somente uma ilusão, tal qual um conto de fadas. Elas têm medo desse desmoronamento de todo um imaginário coletivo no qual somos o centro do mundo, com todo o resto orbitando ao nosso redor. Nas nossas cabeças, precisamos ser únicos, especiais, para escaparmos de sermos apenas mais um rosto no meio da multidão. Nos tempos de hoje isso é abominável, a cultura do “eu” já mais do que se enraizou no subconsciente das pessoas, sendo praticamente impossível se desvencilhar disso, dessa forma, todos continuam seus sonhos etéreos em seus agradáveis casulos de contos de fadas.

Além disso, desconstruir essa ilusão não é interessante para o nosso “sisteminha”. Muito pelo contrário, ele só a alimenta mais e mais. Enquanto as pessoas correm atrás de algo que as tornem especiais, elas estão vivas, e, portanto, consumindo produtos, que não necessariamente suprem as suas reais necessidades. Ou seja, o que não é interessante para o sistema é que as pessoas morram...! É até atraente que elas se desiludam e fiquem doentes, gastem em hospitais, remédios, tratamentos miraculosos, mas que nunca, nunca em hipótese alguma, partam para a medida drástica do suicídio. 

O que resta agora, meu amigo, é saber que atitude eu irei tomar: serei apenas mais uma medíocre por aí, ou tentarei ir contra o sistema?

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